segunda-feira, 22 de junho de 2009

Entrevista a Lucho Gonzalez


Tranquilidade. A palavra costuma ser usada por outro protagonista, mas aplica-se na perfeição a Lucho González. É com tranquilidade que antecipa a próxima época, que renova objectivos e que garante não ter pressa de sair do FC Porto. "Este clube tem sempre grandes objectivos, e a carreira de um jogador constrói-se com títulos", explica, tranquilo.


Qual dos quatro campeonatos foi mais difícil de vencer?


Este foi um campeonato difícil, mas o primeiro com Jesualdo Ferreira terá sido o mais complicado, porque só conseguimos ser campeões na última jornada. Este foi difícil, mas em momento algum houve dúvidas na equipa.

Mas a verdade é que o FC Porto andou algumas jornadas fora do primeiro lugar. Qual foi a explicação?


Foi uma situação com pouca lógica, que serviu para termos a consciência de que não estávamos a fazer as coisas bem. Serviu de alerta para que não perdêssemos mais pontos. Entretanto, voltámos à nossa posição e nunca mais saímos de lá.

Olhando para as contratações que o Benfica fez, com jogadores como Aimar, Reyes e Suazo, esperava que desse mais luta?

Penso que sim, basicamente por ter contratado grandes nomes. Mas isso traduz o que é o futebol actualmente: contratar esse tipo de jogadores não garante nada. De qualquer forma, nunca ficámos preocupados com as aquisições que o Benfica fez. Pensámos sempre em nós.

É uma vantagem para o FC Porto o facto de quase todos os anos os rivais estarem preocupados com o nome do treinador, dos reforços ou do presidente?


Pode ser. Mas todos os anos, quando começa a temporada, não estamos preocupados com os reforços do Benfica ou com a composição da equipa técnica do Sporting. Procuramos, sim, melhorar o que esteve mal na nossa equipa, e essa é que é a verdadeira vantagem do FC Porto.

Nesse sentido, o FC Porto é o favorito para o penta?

Creio que sim. Somos os campeões e, seguramente, esse é um dos objectivos para a próxima temporada.

O que é ser tetracampeão?

É um orgulho. Na verdade, actualmente ainda não temos real consciência do que isso significa. Mas, quando a carreira terminar e olharmos para a história do FC Porto e virmos lá os nossos nomes, aí sim, vamos perceber o alcance do nosso feito. É sempre importante fazer parte da história de um clube, e este tem muita.

Nas comemorações anteriores, os jogadores ficaram-se pelo estádio. Desta vez saíram à rua. Como foi ver tanta gente espalhada pela cidade?

Foi mais bonito. Vivemos mais de perto a euforia dos adeptos. Particularmente, marcou-me bastante e gostei imenso de ver toda a gente a festejar as nossas conquistas. Não quer dizer que nas outras três vezes não tenha sido também emocionante, mas também é bom ir variando um pouco.

Olhando para a época que acabou, e depois de ter dito há cerca de um ano que queria sair, está arrependido de ter ficado?

Claro que não, porque o FC Porto é um clube que tem sempre grandes objectivos, e a carreira de um jogador deve ser construída com títulos. Este clube aspira todos os anos a grandes conquistas, por isso não estou nada arrependido.


O tabu sobre a continuidade de Jesualdo Ferreira chegou ao fim, e Lucho congratulou-se com o convite efectuado por Pinto da Costa ao treinador. "Logicamente, recebi essa notícia com agrado, porque ele tem feito um grande trabalho e tem alcançando os objectivos propostos pelo clube. Além disso, trata-se de uma excelente pessoa. É sempre difícil dirigir um clube como o FC Porto, mas ele provou que tem competência", frisou o argentino. Mas ainda há mais explicações. "É bom que continue, porque os jogadores já conhecem os seus métodos e ele conhece-nos muito bem. Assim é mais fácil trabalhar no dia-a-dia", acrescentou. Lucho trabalha há três temporadas com Jesualdo Ferreira e não se poupou na hora de o elogiar. "É uma pessoa de convicções, que sabe perfeitamente o que quer e que simplifica a vida aos jogadores. Dá-lhes confiança, e isso reflecte-se em campo", atirou.


A maior frustração esta época foi a lesão na partida com o Manchester?


Sim, sobretudo pelo significado e importância que a partida tinha. Havia muita expectativa e, num lance de azar, tudo se desmoronou. O futebol tanto proporciona a alegria de conquistar títulos como tem este lado mais negativo.


Teria sido diferente se não saísse?


Claro que não. Sempre defendi que um jogador não ganha jogos sozinho e, para além disso, o Mariano entrou bem. Perdemos, porque o futebol é assim e não porque o Lucho se lesionou.


O que faltou? Houve pressão a mais, falta de maturidade para gerir o bom resultado alcançado em Manchester?


Convém não esquecer que defrontámos uma grande equipa. Talvez nos tenha faltado a pitada de sorte que eles tiveram, porque chegaram uma vez lá - e nem sequer foi uma situação de golo, mas antes a virtude de um jogador que rematou de muito longe - e marcaram. Após o golo, mudaram a forma de jogar, fecharam-se, e faltou-nos a sorte que tivemos em Manchester.


Para o ano, qual é o objectivo?


Neste clube, os objectivos passam sempre por superar o que já foi alcançado. Por isso queremos chegar às meias-finais. Agora vamos descansar e, quando voltarmos aos treinos, começaremos a traçar com rigor as nossas metas.


E na Taça de Portugal, sentiu vontade de aquecer para dar uma ajuda?


Sim. É muito duro viver as coisas de fora, mas confiava plenamente nos meus companheiros, e creio que a vitória foi merecida. De fora, sofre-se o dobro, sente-se uma enorme impotência por não poder fazer alguma coisa. Mas o futebol tem destas coisas, e é preciso superá-las.


Há muitas dúvidas no plantel para a próxima temporada. O Lucho é um dos jogadores que vão ficar?



Sim. Sempre disse que me sinto muito cómodo e satisfeito no FC Porto, clube com o qual tenho contrato. Se não houver nada que seja benéfico para o clube e para mim, não é minha intenção neste momento sair.


Mas, há um ano, o discurso era diferente: dizia que o ciclo no FC Porto tinha terminado…


De facto é algo que pode parecer contraditório. Tenho crescido, e os objectivos a nível pessoal e futebolístico também se vão alterando. Sinto-me muito confortável na cidade do Porto, as pessoas tratam-me realmente bem, e isso também faz com que não tenha tanto desejo de me ir embora. Obviamente gostaria de jogar noutra liga, sempre o manifestei, mas actualmente o meu pensamento passa por outras coisas.


Com 28 anos, se não sair agora as portas podem começar a fechar-se?


Estou consciente disso, mas pode nem ser bem assim. No futebol, nunca se sabe, o futuro de um jogador é incerto. Quando cheguei ao FC Porto, nunca imaginei ficar quatro temporadas, e a verdade é que ainda aqui estou e muito contente por tudo o que consegui alcançar. A idade pode ser um entrave, mas não é uma questão que me desespere.


Imagina-se a acabar a carreira no FC Porto?


Pode ser uma hipótese, mas gostaria de voltar a jogar na Argentina, nem que fosse na etapa final. Nunca se sabe, porque o futuro muda muito.


Não marcou metade dos golos da época anterior, em que foi o artilheiro do campeonato, mas, mesmo assim, Lucho elegeu Lisandro o melhor jogador da prova, sucedendo a Paulo Assunção, escolhido pelo médio há um ano. "Desta vez é mais difícil escolher alguém, porque vários jogadores atingiram um grande nível de rendimento. Talvez eleja o Lisandro. Apesar de não ter feito tantos golos como na época anterior, foi o melhor", referiu, considerando que Fernando "foi um substituto à altura" do trinco que se mudou para o Atlético de Madrid. Contudo, Lucho lembrou que não foi só o brasileiro a sair. "O Zé [Bosingwa] e o Ricardo [Quaresma] foram vendidos, mas tivemos muita sorte e os reforços entraram muito bem na equipa", frisou. E destacou alguns. "O Fernando, o Cebola e o Rolando fizeram uma grande temporada, e isso reflectiu-se no funcionamento da equipa, não se notando as ausências dos jogadores que saíram." E se Lisandro foi apontado como o melhor, Cissokho recebeu o título de revelação da época. "Creio que surpreendeu todo o Mundo, e não apenas a mim. Não imaginava a capacidade física que tem e a facilidade para travar os adversários. Foi uma grande contratação para o FC Porto, e é preciso felicitar quem o trouxe", sublinhou.



O FC Porto ganhou mais vezes e marcou mais golos fora de casa do que no Dragão. Consegue explicar a disparidade?



Nesse aspecto, este campeonato foi o contrário do anterior, em que apenas perdemos um jogo no Dragão, e na última jornada. Creio que há várias coisas que explicam isso. A pressão dos adeptos é normal. Quando a equipa joga bem, colocam pressão nos adversários e, quando as coisas não saem tão bem, somos nós que temos de levar com essa pressão. Creio que o facto de não marcarmos cedo, nos primeiros 15/20 minutos, condicionou muitos jogos, porque isso obrigaria os adversários a abrirem-se mais e a concederem espaços. Nas partidas fora de casa, isso aconteceu mais vezes. Marcámos mais cedo, e os rivais também atacaram um pouco mais. No Dragão, as equipas só querem fechar-se lá atrás, pensando que um pontito é suficiente.


Foi essa a diferença para o campeonato anterior, em que o FC Porto venceu com 20 pontos de vantagem?



Logicamente, sim. A dada altura da última época tivemos uma conversa com o presidente, que nos disse que, se ganhássemos todos os jogos em casa, seríamos campeões. E assim foi. Perdemos apenas com o Nacional e ganhámos com uma vantagem ampla. Esta época foi diferente, não tivemos essa eficácia em casa, mas conseguimos compensar com uma boa série fora de portas.


Pode dizer-se que este foi o ano dos argentinos no FC Porto?


De facto foi uma boa época para nós. Éramos muitos, e cada um contribuiu, em determinados momentos, com grandes coisas. Particularmente deixa-me muito contente que os meus compatriotas tenham sucesso. Creio que todos o mereceram, porque trabalharam bastante.


Foi um bom ano para Farías…


O Tecla já tinha demonstrado no ano passado que, com continuidade, é um goleador como já há poucos. Com uma ou duas oportunidades, seguramente faz um golo. Fiquei contente por ele, mas também com o Mariano, que fez uma grande temporada e ajudou muito o clube. Foi um jogador-chave.



Por falar em Mariano, foi um bom substituto do Lucho?


Obviamente, sim. O Mariano é um jogador de grande categoria, de selecção. Faltava-lhe a confiança de ter quatro ou cinco jogos seguidos a um bom nível. Este ano conseguiu isso, e fico satisfeito pelo facto de os adeptos terem reconhecido o esforço que ele fez. Demonstrou que é um jogador forte psicologicamente, porque, no início, a relação com os adeptos não era a melhor


Curiosamente, Bolatti também está a ser uma das figuras do campeonato argentino. Há alguma explicação para o facto de não se ter afirmado no FC Porto?


Sim, é verdade que está a ser crucial no Huracán. São estas curiosidades que o futebol tem. O Mario teve as suas oportunidades, embora não muitas, mas não conseguiu demonstrar o que está a fazer na Argentina. Passou-se o mesmo com o Lucas Mareque, que também mostrou um nível altíssimo quando regressou a casa. O problema é que ninguém pode garantir que o Mario volte e que jogue da mesma forma como está a fazer actualmente. O jogador tem de se sentir cómodo e estar bem em vários aspectos, não apenas no futebolístico, para render.


Se Lucho garantiu que vai continuar no FC Porto, há dois jogadores que podem ter feito o último jogo de azul e branco no Jamor. Lisandro e Bruno Alves não escondem o desejo de procurar novas experiências e, a confirmarem-se as respectivas saídas, vão deixar saudades a Lucho. Começando pelo compatriota. "Vou sentir a sua falta, já que é meu amigo. Mas toda a equipa sentirá falta dele, porque o Lisandro demonstrou ser um jogador fantástico, um avançado que não se limita a fazer golos, mas que também colabora muito com a equipa. E isso é importantíssimo no futebol actual. É evidente que vamos sentir a sua ausência", sublinhou, mantendo o discurso em relação ao central. "O Bruno é uma peça fundamental na defesa, demonstrou-o ao longo da temporada, fazendo todos os jogos", referiu. Em todo o caso, Lucho acredita que o FC Porto vai conseguir manter-se no trilho das vitórias. "Se eles forem vendidos, trataremos de encontrar as soluções mais adequadas, como fizemos quando saíram o Bosingwa, o Quaresma ou o Paulo Assunção. Compete-nos trabalhar para minimizar os efeitos. É claro que são jogadores importantes e sentiremos as suas ausências. Se realmente saírem, que seja para melhor, caso contrário que continuem connosco", acrescentou.


Incompreendido e criticado por apresentar um rendimento diferente do habitual, ainda assim Lucho concluiu a época com o sentimento do dever cumprido, porque, garantiu, limitou-se a fazer o que o técnico lhe pediu. "Alterei a minha forma de jogar em prol da equipa. Em determinados jogos, o técnico pediu-me outro funcionamento, que jogasse noutra posição, e acabei por ser criticado", recordou, desvalorizando o que foi dito e escrito sobre as suas actuações. "Não tenho de jogar para a crítica, mas para a equipa. Estava tranquilo, porque sabia o que o treinador me tinha pedido." Ainda assim, Lucho sabe que isso se reflectiu nas suas prestações.
"Tive muito menos contacto com a bola e às vezes fui pouco participativo. Não estava habituado, mas sabia que tinha de cumprir com o que me pediam", frisou. Por isso, o argentino compreendeu a insatisfação dos portistas que reclamavam um Lucho mais "visível" em campo. "Por vezes, os adeptos pensam mais com o coração do que com a cabeça, mas isso é perfeitamente normal. A equipa depois encontrou o sistema que o técnico queria e pude voltar a jogar onde mais gosto. Nessa altura, as coisas voltaram à normalidade", recordou. Mesmo com a nuance táctica, Lucho continua a ser considerado o patrão da equipa e agora já nem se importa que lhe chamem El Comandante. "É algo que já está marcado, porque, na rua, todos me tratam assim. Não sinto que seja assim, mas aceito. E os meus companheiros também me chamam isso na brincadeira."


Lucho entrou de férias mais cedo do que gostaria. Pode parecer estranho, mas é verdade. A lesão sofrida contra o Manchester United não só o afastou dos últimos jogos do FC Porto como da convocatória da Argentina, onde costuma ter lugar cativo. "É aborrecido estar de fora. Quando sofri a lesão, tive de me ir consciencializando de que ia ser difícil ajudar a selecção nesta fase. Quero estar sempre lá, mais ainda por faltar apenas um ano para o Mundial", desabafou. Em todo o caso, Lucho acredita que ainda vai a tempo. "Tenho de descansar, fazer uma boa pré-época e também fazer as coisas bem no FC Porto. Se assim for, posso voltar em breve à selecção", sublinhou. Na Argentina, Lucho é treinado pelo seu ídolo de juventude. Uma sensação que não consegue explicar muito bem. "Quando terminar a carreira, vou poder dizer que fui orientado pelo melhor de todos. Quando comecei a jogar, nunca imaginei que isto fosse possível", admitiu. Maradona, pelo menos, já sabe da tatuagem que Lucho fez em sua homenagem. "Ele já a viu, porque os meus companheiros encarregaram-se de a mostrar. Mas não sou o único a ter uma tatuagem dele, e isso deixa-me mais tranquilo", brincou.


Depois de conquistar a crítica nacional, Lucho acredita que Hulk tem condições para se tornar num fenómeno a nível mundial. "Ainda é jovem e tem um grande futuro pela frente. Oxalá possa ser bem aconselhado e faça as coisas bem para acabar a jogar nos grandes clubes da Europa", referiu. E a opinião do médio até pode ser considerada como insuspeita, apesar de serem companheiros de equipa. Isto por causa dos boatos que surgiram na primeira metade da época e que Lucho tratou de desmentir. "No início diziam-se muitas coisas, ao ponto de insinuarem que os argentinos estavam em guerra com ele e que ele não passava a bola aos companheiros. Não se passou nada", assegurou, justificando-se com as diferentes características de cada jogador. "Uma grande equipa não pode ser feita de jogadores idênticos. Sabemos que ele, com a bola nos pés, no um-para-um, é um jogador desequilibrador, mas deve saber o momento em que o deve fazer. Não era mais do que isso, e foi o que todos lhe disseram. Creio que aprendeu e foi uma das revelações da equipa", frisou.

Pode dizer-se que esta época foi perfeita?

Sim. Os objectivos a que nos propusemos no início da temporada foram alcançados. Festejamos a conquista do campeonato e da Taça e fizemos ainda uma campanha muito positiva na Liga dos Campeões.


Faltou alguma coisa?


Depois do encontro em Manchester, com um empate, sentimos que podíamos passar. Faltou-nos isso, mas não devemos lamentar nada, porque demos o máximo.


O jogo em Manchester foi o melhor do FC Porto?


Tivemos outros encontros que foram determinantes, como o de Alvalade, o de Kiev e o de Istambul. É lógico que, pela transcendência e mediatismo que teve, o jogo com o Manchester foi especial. Provámos que éramos uma equipa que sabia o que queria.
A nível individual, falhou alguns penaltis. Consegue explicar o que se passou?
Passam-se muitas coisas pela cabeça de um jogador no momento de partir para a bola, e não queria bater como habitualmente. Isso fez-me errar, mas o técnico continuou a acreditar em mim, o que me devolveu a confiança.

O clássico com o Benfica no Dragão marcou a época. Se fosse hoje, voltava a levantar-se naquele lance com o Reyes na área do Benfica?


Depois de ver que suspenderam o Lisandro por um penalti que o árbitro assinalou e que depois disseram que não foi, se fosse hoje deixava-me cair no relvado. É evidente que esse lance foi penalti, mas na altura não me deixei cair porque vi o Fucile a correr em boa posição e pensei que lhe podia passar a bola em condições de ele finalizar. Não o fiz por uma questão de fair play, foi uma reacção instintiva por ver o Fucile bem posicionado. No futuro pensarei duas vezes, sobretudo pelo que se passou com a suspensão ridícula do Lisandro.

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